sábado, 27 de junho de 2020

Os gafanhotos passam

“Alegrai-vos, pois, filhos de Sião, regozijai-vos no Senhor, vosso Deus, porque ele vos dará em justa medida a chuva; fará descer, como outrora, a chuva temporã e a serôdia. As eiras se encherão de trigo, e os lagares transbordarão de vinho e de óleo. Restituir-vos-ei os anos que foram consumidos pelo gafanhoto migrador, pelo destruidor e pelo cortador, o meu grande exército que enviei contra vós outros” (Joel 2:23-25).

Em 26 de junho de 2020, os jornais noticiaram sobre uma nuvem de gafanhoto, de aproximadamente 20km² de extensão, que invadiu campos agrícolas na Argentina. Para a economia do país e quanto ao abastecimento alimentar de milhares de famílias, esse fenômeno natural foi um desastre, pois esses insetos estavam percorrendo até 150km por dia. Como precaução, autoridades governamentais do Brasil traçaram um plano de ação, utilizando o método de pulverização aérea, caso a nuvem de gafanhotos entre no território brasileiro.

Os cristãos praticantes , de maneira geral, associam a palavra: gafanhoto, imediatamente à oitava praga do Egito, ou às muitas citações sobre gafanhoto no Antigo Testamento e seu significado bíblico, ou às correntes teológicas sobre o Apocalipse. Fico impressionado ao ver alguns teólogos arriscando a própria reputação, ao apontarem conotação escatológica aos gafanhotos da Argentina. Eu confesso que existe em mim, um desejo irracional de interpretar todo desastre que aparece na mídia, como um sinal precedente da volta de Cristo, mas minha compreensão teológica bloqueia esse tipo de devaneio, me fazendo crer que o caso dos insetos que invadiram a Argentina é apenas uma nuvem que passa, ou não, mas isso, só Deus sabe.

Na primeira parte do livro de Joel, o profeta dá detalhes sobre uma grande nuvem de gafanhotos que devastou as plantações, provocando um grande prejuízo ao povo. A proposta profética para salvar o sustento dos habitantes daquela terra era, todos se chegarem a Deus, porque Joel sabia muito bem, que aquela nuvem de gafanhotos, não se limitava a um mero fenômeno da natureza, mas sim, de uma provação enviada por Deus, para repreender a incredulidade dos filhos de Deus.

O termo "dia do Senhor", em nossos dias faz referência à volta de Cristo, mas nos tempos dos profetas, significava: justiça divina na Terra, tanto para corrigir aqueles que davam às costas para o Senhor, fazendo-os sofrer a opressão dos inimigos de Israel, como para castigar esses inimigos que faziam mal ao povo de Deus. Na cultura em que Joel estava inserido, tanto o declínio como a prosperidade dos homens, passavam pela decisão soberana de Deus. Sobre a vida de todos os homens, havia um grande esquema divino orquestrado pelas mãos divinas.

Por falar em esquema, vocês lembram do Hopper, o gafanhoto líder do desenho animado: "Vida de Inseto" dos Estúdios Pixar? Tem uma hora, que os gafanhotos incentivam o irmão mais novo do Hopper, a convencer o líder, que eles deveriam dispensar a colheita realizada pelas formigas e irem embora daquele lugar. Então, o Hopper explica de forma incisiva, que eles precisavam ficar e escravizar as formigas por algum tempo e receber os tributos da espécie mais fraca, nem que fosse apenas para manter o "esquema" (a ordem natural da vida dos insetos) ou seja, o que podemos chamar de: ecossistema. O desenho animado esclarece ao longo do roteiro, que os gafanhotos precisavam das formigas para se alimentarem e as formigas, precisavam da presença dos gafanhotos, para afugentar outros insetos predadores, que representam perigo para existência do formigueiro. Depois de se alimentarem eles iriam embora.

O esquema nativo dos insetos é semelhante às relações do mercado de trabalho. As empresas maiores dominam sobre as empresas menores e ambas, cooperam mutuamente para se manterem produtivas. Entretanto, quando os ônus fiscais ou custos operacionais pesam demasiadamente sobre uma das partes, quando uma empresa corre o risco de falir ou até mesmo, quando um profissional não consegue se manter no emprego, aqueles que amargam perdas, sofrem como se estivessem sendo invadidos pelo gafanhoto migrador, pelo gafanhoto destruidor ou pelo gafanhoto cortador. Mas notícia boa nessa experiência é que os gafanhotos passam.

A partir do segundo capítulo de Joel, o profeta começa a mudar as notícias ruins, por palavras de esperança. O vigente panorama de seca, torna-se em perspectiva de chuva temporã, aquela que vem antes da estação das chuvas; torna-se em expectativa de chuva serôdia, aquela que permanece depois da estação das chuvas; ele anuncia que haverá fartura de trigo, de vinho, de azeite. O profeta muda de tristeza para alegria, porque os tempos difíceis passam, assim como os gafanhotos também passam. 

Se estamos sob o governo do único Deus, Soberano, que orquestra o Universo, então, devemos crer no tempo certo, o Senhor restituirá os anos que foram consumidos pelo gafanhoto migrador, pelo destruidor e pelo cortador, porque é Ele quem nos dá a vida.

Ouçamos o profeta, que diz: alegrai-vos! Regozijai-vos no Senhor, porque ele vos dará o sustento em justa medida.

Ailton de Oliveira

segunda-feira, 22 de junho de 2020

Um mundo perfeito

"Agora, porém, despojai-vos, igualmente, de tudo isto: ira, indignação, maldade, maledicência, linguagem obscena do vosso falar. Não mintais uns aos outros, uma vez que vos despistes do velho homem com os seus feitos e vos revestistes do novo homem que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou" (Colossenses 3:8-10).

Na primeira cena do filme: "Um Mundo Perfeito", dirigido em 1993 por Clint Eastwood, mostra o menino Phillip, de 7 anos, sofrendo bullying dos coleguinhas da rua, só porque a religião de sua família o impedia de participar das brincadeiras de Halloween. A casa onde morava Philip com sua mãe e duas irmãs, naquela mesma noite é invadida pelo fugitivo Butch, interpretado pelo ator Kevin Costner, que depois de criar confusão com o vizinho e atrair a polícia, foge em um carro roubado, levando o menino como refém.

Durante uma longa viagem de fuga juntos, vivenciando situações arriscadas e algumas até divertidas, o menino encontra na companhia do bandido, a coragem para se libertar de complexos pessoais, acolhendo-o como pai amigo e protetor. No caso do Butch, ele via em Phillip mais que um filho, pois no passado desse presidiário foragido, existia a história do menino carente de afeto, mal tratado pelo pai agressivo. Como compensação de seus traumas da infância, Batch oferece ao Phillip, a atenção integral de um pai que ambos gostariam de ter.

É coerente crer que, a companhia de Butch significava o relaxamento moral na formação de qualquer criança. No entanto, o encontro entre a inocência infantil e a mente do bandido deformada pela violência, possibilitou pelo menos para essas duas pessoas, a sensação temporário de um mundo perfeito, onde havia amizade sincera e a confiança mútua que estes nunca haviam experimentado.

A viagem caminha para o desfecho previsível, quando Phillip pega o revólver e atira em Butch, para impedir que seu amigo bandido mate um homem que estava agredindo o próprio filho. Phillip chega a pensar, que seria castigado por isso, mas recebe do companheiro ferido, compreensão e perdão. 

O filme termina com a morte de Butch cercado pela polícia, despedindo-se de Phillip em uma cena emocionante. Dois personagens que se sentiam imperfeitos e rejeitados, encontraram um no outro em pouco tempo de convivência, o gostinho de um mundo perfeito.

Em sua carta aos irmãos de Colossos, o Apóstolo Paulo lhes recomenda uma postura mais humana, no propósito de se cultivar um mundo sem ira, sem indignação, sem maldade, sem maledicência, sem linguagem obscena e sem mentiras. A semeadura de um mundo perfeito, no qual se pressupõe o esforço do homem em espelhar a imagem daquele que o criou.

A sociedade que o apóstolo conhecia era intolerante com as pessoas consideradas diferentes. Os judeus se consideravam os homens mais próximos do Criador e alguns, diziam que os gregos deveriam ser circuncidados. Acreditavam que os rituais religiosos garantiam a aliança com Deus e consideravam os escravos e bárbaros, como pessoas excluídas das bênçãos divinas. Por isso, o Apóstolo Paulo adverte os cristãos, dizendo que o Evangelho se propõe a unir todos os povos em torno de um só Senhor, através da fé na pessoa de Jesus Cristo.

Pode-se interpretar na exortação apostólica, a ideia de um "mundo perfeito", onde prevalece o respeito e o perdão. Portanto, assim como Senhor nos perdoou, devemos perdoar uns aos outros. Mesmo porque, ser cristão não é um certificado de qualidade sociocultural, mas sim, ser o perfume de Cristo na Terra, pois o Evangelho nos capacita a olharmos com misericórdia para aqueles que o mundo desqualificou e a estendermos a mão para aqueles que estão caídos. O exemplo que nos inspira é um Deus que deixou sua Glória Perfeita e desceu ao mundo imperfeito, para resgatar os homens da morte espiritual.

Então, alguém pode perguntar: onde está o "mundo perfeito" nesse mundo imperfeito? 

Para mim, o mundo perfeito não está em esperarmos que todas as pessoas se tornem eficientes no que fazem ou mais capazes e infalíveis, eloquentes ou impressionantes, mas sim, que as pessoas se tornem mais tolerantes e compreensivas com aqueles que, aos olhos do mundo, são desqualificados por alguma razão. Para mim, a nossa perfeição não se define em alcançar "o mais", e sim em erguer a mão para levantar quem é "o menos".

Para mim, o mundo perfeito é o lugar onde as pessoas com dificuldades de alcançar algo têm sempre uma nova oportunidade de tentar; é o lugar onde o incapaz é ajudado sem ser menosprezado; onde ninguém é tido como desqualificado; onde quem decepciona é perdoado.

Em um mundo perfeito, o fraco caminha junto com o forte, o discípulo também ensina ao mestre; e o bandido pode se tornar menino e começar uma nova história.

Nas Palavras de Jesus, podemos encontrar um mundo perfeito.

Ailton de Oliveira